Um livro do Irmão Harry
Mendoza, Past Master da Loja Quattuor Coronati Nº 2076, tem um
título interessante: Serendipity.
Não há em português uma palavra que corresponda a esta. Segundo o Cambridge Dictionary, é o
fato de encontrar algo interessante ou valioso por acaso. Uma pena, porque ela define exatamente a
sensação que senti diversas vezes ao pesquisar nossa história para escrever Bandeiras
que contam histórias.
Sempre gostei de
história. Até hoje não consigo entender
como é possível encará-la como uma entediante sucessão de datas, fatos e nomes,
como se fossem coisas desconectadas umas das outras, que só se consegue dominar
pela decoreba e da qual logo se esquece.
Que desperdício! Que oportunidade
perdida de estabelecer as conexões que a tornam inteligível...
Tudo começou quando preparei
a edição de O Livro dos Dias para o ano de 2000. Para celebrar os quinhentos anos do
descobrimento, resolvi falar das bandeiras históricas brasileiras. Claro, tive que pesquisar muito, recolhendo
dados, datas e fatos das fontes mais diversas, verificando, comparando,
tentando separar o joio do trigo para apresentar a informação e as ilustrações
de forma correta. Vocês nem imaginam
quanta tolice se diz por aí! A edição
foi um sucesso.
Um Irmão e amigo, José Carlos
Meneghetti, diretor da Zit Editora, sugeriu que o texto fosse transformado
em um livro. Ainda que modesto, a edição
original de Bandeiras que contam histórias me trouxe grandes
alegrias e muitas surpresas. Hoje, Bandeiras
que contam histórias tem sua segunda edição, mais robusta, mais
colorida, mais abrangente, incluindo também as bandeiras e os brasões dos
estados brasileiros, que me custaram um ano e meio de trabalho para ilustrar.
Mas não estou escrevendo este
artigo para falar de mim, mas das coisas interessantes que descobri
ao longo das pesquisas para
escrever e ilustrar. Coisas que a grande
maioria dos brasileiros ignora e, com isto, perdem a chance de serem mais
brasileiros...
A primeira bandeira a
homenagear a mulher
Um dia, recebi uma ligação de
uma professora gaúcha. Indignada com o
que escrevi no livro, ela queria saber de onde eu tirara aquela história de que
as cores de nossa bandeira imperial tinham a ver com nosso primeiro casal
imperial. Ela sempre soube que o verde
vinha “das matas” e o amarelo, das “riquezas minerais”, ora! Tive que explicar, é claro. Foi o próprio D. Pedro que determinou
nossas cores: “verde de primavera e amarello d'ouro”. Verde por que era a cor da casa de Bragança
e amarelo que era a cor da casa dos Habsburgos, a qual pertencia a
princesa Leopoldina. A tonalidade
de “primavera” para o verde veio como analogia ao país que se criava. Muito romântico, não?
Bem, e a tal história de
verde “das matas” e do amarelo “das riquezas minerais”?
Simples. Do dia 14 para o dia 15 de novembro, o “brasileiro
dormiu em uma monarquia e acordou em uma república”. A República foi um golpe branco, palaciano,
sem qualquer participação popular. Em
1917, a família imperial russa foi chacinada pelos bolcheviques. Mas não apenas esta não era nossa índole
como, se os conspiradores tivessem tocado no velho imperador, teriam que
encarar a ira do povo. Prova disso é que
por mais de 20 anos o Brasil se viu às voltas com guerras civis. Então, exilou-se a Família Real.
Ora, se não se matou o
imperador, mate-se a memória! Foi assim
que o verde deixou de ser Bragança para ser “das matas” e o amarelo
deixou de ser Habsburgo para ser “das riquezas minerais”...
Aliás, esse assassinato
proposital da memória continuaria mesmo que o retorno do regime monárquico
fosse proibido como cláusula pétrea nas constituições. Desvalorizar o passado e apagar a memória
passou a ser uma atitude nacional. Os
artistas da Semana da Arte Moderna, em 1922, não escracharam a arte
existente para promoção da deles? Não
menosprezaram Carlos Gomes como compositor italiano de segunda? E para quê?
Para impor seu modelo. Exatamente
o fenômeno que vemos agora, só que muito mais grave, mais insidiosa. Como explicar a passividade geral ante as
distorções e mentiras facciosas que “adornam” a história atualmente ensinada
nas escolas se não pelo costume que se arraigou de avilar e desprezar o
passado?
Mas uma coisa é certa: ao
criar a Bandeira Imperial, o artista francês Jean-Baptiste Debret fez
dela a primeira no mundo a homenagear a mulher.
Realmente, nossa história tem
muito a contar!
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