domingo, 4 de maio de 2014

O VERDE E O AMARELO



Um livro do Irmão Harry Mendoza, Past Master da Loja Quattuor Coronati Nº 2076, tem um título interessante: Serendipity.  Não há em português uma palavra que corresponda a esta.  Segundo o Cambridge Dictionary, é o fato de encontrar algo interessante ou valioso por acaso.   Uma pena, porque ela define exatamente a sensação que senti diversas vezes ao pesquisar nossa história para escrever Bandeiras que contam histórias.
Sempre gostei de história.  Até hoje não consigo entender como é possível encará-la como uma entediante sucessão de datas, fatos e nomes, como se fossem coisas desconectadas umas das outras, que só se consegue dominar pela decoreba e da qual logo se esquece.  Que desperdício!  Que oportunidade perdida de estabelecer as conexões que a tornam inteligível...
Tudo começou quando preparei a edição de O Livro dos Dias para o ano de 2000.  Para celebrar os quinhentos anos do descobrimento, resolvi falar das bandeiras históricas brasileiras.  Claro, tive que pesquisar muito, recolhendo dados, datas e fatos das fontes mais diversas, verificando, comparando, tentando separar o joio do trigo para apresentar a informação e as ilustrações de forma correta.  Vocês nem imaginam quanta tolice se diz por aí!  A edição foi um sucesso. 
Um Irmão e amigo, José Carlos Meneghetti, diretor da Zit Editora, sugeriu que o texto fosse transformado em um livro.  Ainda que modesto, a edição original de Bandeiras que contam histórias me trouxe grandes alegrias e muitas surpresas.  Hoje, Bandeiras que contam histórias tem sua segunda edição, mais robusta, mais colorida, mais abrangente, incluindo também as bandeiras e os brasões dos estados brasileiros, que me custaram um ano e meio de trabalho para ilustrar.
Mas não estou escrevendo este artigo para falar de mim, mas das coisas interessantes que descobri
ao longo das pesquisas para escrever e ilustrar.  Coisas que a grande maioria dos brasileiros ignora e, com isto, perdem a chance de serem mais brasileiros...

A primeira bandeira a homenagear a mulher
Um dia, recebi uma ligação de uma professora gaúcha.  Indignada com o que escrevi no livro, ela queria saber de onde eu tirara aquela história de que as cores de nossa bandeira imperial tinham a ver com nosso primeiro casal imperial.  Ela sempre soube que o verde vinha “das matas” e o amarelo, das “riquezas minerais”, ora!  Tive que explicar, é claro.  Foi o próprio D. Pedro que determinou nossas cores: “verde de primavera e amarello d'ouro”.  Verde por que era a cor da casa de Bragança e amarelo que era a cor da casa dos Habsburgos, a qual pertencia a princesa Leopoldina.  A tonalidade de “primavera” para o verde veio como analogia ao país que se criava.  Muito romântico, não?
Bem, e a tal história de verde “das matas” e do amarelo “das riquezas minerais”? 
Simples.  Do dia 14 para o dia 15 de novembro, o “brasileiro dormiu em uma monarquia e acordou em uma república”.  A República foi um golpe branco, palaciano, sem qualquer participação popular.  Em 1917, a família imperial russa foi chacinada pelos bolcheviques.  Mas não apenas esta não era nossa índole como, se os conspiradores tivessem tocado no velho imperador, teriam que encarar a ira do povo.  Prova disso é que por mais de 20 anos o Brasil se viu às voltas com guerras civis.  Então, exilou-se a Família Real. 
Ora, se não se matou o imperador, mate-se a memória!  Foi assim que o verde deixou de ser Bragança para ser “das matas” e o amarelo deixou de ser Habsburgo para ser “das riquezas minerais”...

Aliás, esse assassinato proposital da memória continuaria mesmo que o retorno do regime monárquico fosse proibido como cláusula pétrea nas constituições.  Desvalorizar o passado e apagar a memória passou a ser uma atitude nacional.  Os artistas da Semana da Arte Moderna, em 1922, não escracharam a arte existente para promoção da deles?  Não menosprezaram Carlos Gomes como compositor italiano de segunda?  E para quê?  Para impor seu modelo.  Exatamente o fenômeno que vemos agora, só que muito mais grave, mais insidiosa.  Como explicar a passividade geral ante as distorções e mentiras facciosas que “adornam” a história atualmente ensinada nas escolas se não pelo costume que se arraigou de avilar e desprezar o passado?
Mas uma coisa é certa: ao criar a Bandeira Imperial, o artista francês Jean-Baptiste Debret fez dela a primeira no mundo a homenagear a mulher.
Realmente, nossa história tem muito a contar!

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